terça-feira, 10 de abril de 2012

O Porto

Andar pelas ruas do bairro
me abriu o apetite pra escrever
E como não fazê-lo diante de tanta vida lá fora
Estar novamente pelas mesmas ruas em que andava
quando minha filha estava dentro e não fora
me trouxe uma saudade boa
Ainda não sabia dela como filha
sabia menos ainda de mim como mãe
mas imaginava ao olhar em volta
o imenso de um mundo que ela teria pra descobrir, pra desvelar
Um muito grande
como ela diz agora
do alto de seus dois anos e pouco
Que alegria isso me dava
Que alegria isso me dá
Me alegro também
ao ver um senhor caminhando
com seu cachorro
Ao invés de usar as quatro patas
ele usa três
Uma está enfaixada
parece quebrada mas eles seguem ali
O senhor espera pelo cachorro
O cão por ele
Parecem conhecer tanto um do outro e assim
gosto do que vejo
gosto do que penso
Gosto também de ver o comércio quieto do meu bairro
Não é pouco movimento
e sim o movimento certo
Nas inúmeras ferragens pelo caminho
uma próxima da outra
poucas pessoas fazem fila
esperam por ser atendidas com calma
Imagino que tenham pressa
seja porque trabalham arrumando a casa de alguém
seja porque desejam arrumar suas próprias casas
Mas não há estardalhaço, barulho, conversa alta no balcão, televisão ou rádio ligado
Tudo flui
Nos botecos e mercearias que também são vários
algumas pessoas fazem lanche e roda
roda pra botar o papo em dia
outras pacificamente compartilham a mesma mesa
mesmo que um tome coca cola média
e o outro a cervejinha das três da tarde
Zeloso respeito mútuo
de quem sabe dar uma paradinha pra respirar, se alimentar, bebericar, aproveitar,
deixar o tempo passar
E um jeito bom de apreciar o tempo passando
ainda mais se o local de moradia é na zona sul da cidade
no sul do sul do Rio Grande do Sul
é tomando mate
Bem sabe o pessoal de uma casa de esquina que ainda não tem reboco
mas detém uma informação importante na parte cimentada
que separa o piso de cima do debaixo:
“Cantinho do Mate”
Que assim seja
um cantinho bom
Sigo minha marcha
e vejo
por esse bairro de casas e ruas que se parecem
muitas árvores enfeitando as calçadas
ainda com muitas flores
É outono mas elas ainda não caíram
A não ser pela poda que algumas pessoas estão fazendo
Como uma senhora de bengala que atenta
Parece dizer aos moços que estão nas escadas com suas tesouras em punho
como devem cortar
Aposto que ela sabe
afinal parece que mora há tempos ali
Que dirá as árvores
frondosas, grandes, galhudas
há anos devem estar ali
Me pergunto e ligeiramente me preocupo
Será que é tempo de poda?
Abril tem a letra R e ouvi dizer que em meses com R
não podamos
ou será que não plantamos?
Ah, mas não me importa
Me importa mais
ver tudo ao alcance dos meus olhos acontecendo
E não cessa de acontecer
Eis que encontro novamente
o senhor e o seu cão
o cão e o senhor dele
E é esse último que cheio de paciência conversa com o cão
Estou ouvindo música não os ouço mas como num filme do Chaplin
Assisto a prosa entre os dois
E o bom senso parece que impera
Então o senhor de idade se demora um pouco e pega a guia dentro de um dos seus bolsos
e o cão cansado espera
Ele fica imóvel, gentil, retribuindo a paciência
enquanto a guia vem vindo
Companheirismo
Mais um sentimento bom de presenciar
na minha tarde de folga
Tarde em que não trabalho
ao menos formalmente
porque percebo que meus passos se apressam
Bendita seja a correria durante a folga
Quero dar mais um sentido a tudo que vi no papel
Não lamento não ter levado pra caminhada a máquina fotográfica
Fotografei tudo o que consegui com as janelas da minha alma
Isso é que dá
esse meu melhor particular coletivo lugar do mundo
É aqui que moro
me inspiro
me dobro
me ergo
É aqui que plantei meu jardim
é aqui que quero seguir caminhando durante a folga
Isso é que dá
se emocionar
com a vida
Isso é que dá
caminhar pelas ruas do Porto

10/04/2012

4 comentários:

  1. Sensibilidade... lindo!!! Bom de ler... bom de caminhar junto com o poema...
    Beijo, Aninha!

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    1. Junto com o poema é uma honra... tem um outro passeio que chama Maísa que seguido fazemos juntas né? Coisa boa!!! Beijão Verinha!!!

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  2. Que coisa mais bonita, vi cada passo teu. O Porto é mais lindo pelos teus olhos.

    Te beijo, mana.

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    1. o Porto é lindo, meus olhos vêem muitas coisas como os teus, sensíveis... Beijo, Te amo e Te beijo também!

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